Prosperidade viabiliza a felicidade, que está um passo além de ter a condição mínima de existência
licidade? Manda buscar, segundo os bem-humorados. Os realistas também acreditam que sim, dinheiro é muito bom, e quanto mais, melhor. Enquanto isso, os idealistas não querem nem ouvir falar dessa associação. O tira-teima científico veio com uma pesquisa da Universidade de Princeton, publicado no começo do mês, que não apenas confirma a ligação entre ambos, como quantifica a renda necessária para ter um aumento na felicidade. Até US$ 75 mil em ganhos anuais, a sensação de felicidade cresce. Daí em diante, a diferença é pouco significativa – em moeda nacional, o valor corresponde a R$130 mil por ano, que dividido em doze meses equivale a rendimentos de R$10.800 por mês.A explicação é simples: sem ter as necessidades básicas atendidas, sobram preocupações com problemas imediatos, como alimentação, moradia e saúde, e, dessa forma, é mais difícil tirar contentamento da vida, segundo Angus Deaton, economista do Centro de Saúde e Bem-Estar da Universidade de Princeton, um dos autores do estudo. Outras pesquisas confirmam essa ideia. De acordo com o Royal College of Psychiatrists, no Reino Unido, pessoas com problemas financeiros têm o dobro de chances de desenvolver doenças mentais, como depressão e ansiedade, ao longo da vida, em comparação com quem não tem. Desemprego e crises econômicas, segundo a sociedade médica, detonariam ondas de problemas mentais.
Ser feliz é um estado da alma
No Brasil, o Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) conduziu o projeto “O que é felicidade para você”, para estudar o tema sob a perspectiva brasileira. “Na nossa pesquisa, estamos tentando delinear a felicidade do brasileiro e buscar se o dinheiro afeta o brasileiro em si”, afirma Guilherme Takamine, um dos pesquisadores. A área de estudo, chamada de Bem Estar Subjetivo, diferencia conceitos como felicidade e satisfação, que não são exatamente iguais. É preciso também relativizar estudos desse tipo, porque medem realidades sociais muito diferentes de acordo com a população e o país onde foram feitos.
Para Pedro Pires, pesquisador da UFRJ, a psicologia tem se aproximado muito do conceito oriental de felicidade, que é de um estado interior da pessoa, que pouco depende das circunstâncias. Por outro lado, a satisfação costuma ser temporária e ligada a fatores externos, como uma roupa nova ou um aumento de salário. É mais um caminho para chegar à felicidade, mas não o único, segundo Pires. “A felicidade tende a ser conceituada dentro da psicologia do bem-estar como um estado constante e interno, mas possui relação com graus de satisfação, que se relaciona também com dinheiro”, afirma. Outros elementos, como se engajar em atividades sociais ou a formação religiosa podem levar a relações diferentes com a moeda. Ações altruístas, por exemplo, proporcionariam estados mais duradouros de satisfação. “O importante é solidificar outros valores, que promovam possibilidades de satisfação e um estado de felicidade”.
Para a filosofia, a felicidade não pode ser confundida com a satisfação das necessidades. “Essa ideia faz sentido numa sociedade extremamente excludente, que vive da reprodução da miséria. A felicidade está um passo além de ter a condição mínima de existência”, afirma Dulce Critelli, professora de filosofia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e coordenadora do Existentia - Centro de Orientação e Estudos da Condição Humana. “Essas pesquisas tendem medir a felicidade em termos de saciedade, de quanto eu consigo consumir”. Não que isso seja irrelevante para Dulce. “O problema é limitá-la a isso”.
A medida da felicidade, para ela, passa por outros campos da vida humana, como a realização pessoal, qualidade nas relações com amigos e família, e a capacidade de interferência no mundo, por exemplo. “Elas não medem a capacidade de encontrar satisfação numa conversa ou no ajudar uma pessoa”, diz Dulce. Por trás dessa noção de felicidade, a filósofa acredita que esteja um ritmo semelhante ao da vida biológica, em que tudo é cíclico. Dorme-se, sente-se sono, dorme-se de novo. O consumo, assim como a necessidade de comida, é constante. Já felicidade vinda de valores subjetivos não se descarta, acumula-se, como amizades e afetos na vida da pessoa.
Conforto é satisfação
Se satisfação não é exatamente felicidade, dá para ser feliz sem estar satisfeito? “O caminho é esse: realizar aspirações sem ter problemas para pagar o dia a dia”, diz o consultor em finanças pessoais Conrado Navarro, autor do blog Dinheirama. “O grande problema é insistir em aumentar o padrão de vida artificialmente, se endividando.” Navarro cita o exemplo de pessoas que parcelam a perder de vista os sonhos de consumo para sustentar um padrão de vida artificialmente alto. “Aceitar a realidade pode ser um pouquinho frustrante no primeiro momento, mas respeitar esse limite e poupar traz uma sensação de realização maior”, acredita o consultor.
Nos últimos anos, o Brasil está passando por uma explosão de crédito e consumo que aumentou o acesso a bens mais básicos para a população e democratizou o conforto para a classe média. “Estamos aprendendo a consumir agora. Isso traz um desafio maior para as famílias, porque elas querem se incluir socialmente pelo consumo, e rapidamente”, alerta Navarro. “É impossível fazer decisões financeiras sem emoção, mas é preciso tentar racionalizar o compromisso desses cursos”, afirma. “Dinheiro tem que ser um instrumento de liberdade. Ter cada vez mais roupas e sapatos não faz uma pessoa cada vez mais feliz. É preciso focar no que vai trazer mais valor para a família”. Talvez, no balanço final, o dito popular mais adequado seja o que afirma que a melhor parte de ter dinheiro é não precisar pensar nele.
FONTE: delas.ig
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